21 de nov. de 2008

Praga genética - Parte II

Torcer para o time que o pai torce é natural, eu diria até o correto – excluindo o são paulo fashion clube, um time obtuso. Foi o que os filhos do meu avô fizeram. Até o Wagner, que vergou a camisa do Palmeiras desde moleque, era corinthiano pra cacete. Meu pai, no entanto, seguiu os passos de seu pai às avessas; virou palmeirense.

Mas a praga que me pegou, e que eu revelei na primeira parte, também se manifestou no meu pai. A primeira vez foi na invasão da fiel de 76, no Maracanã. Saiu uma turma do Anhangüera e meu pai estava junto. Podia ser até pela farra, mas estava lá. Um ano depois, quando o Basílio fez o gol contra a Ponte tirando-nos da infinita fila de 23 anos, lá estava meu pai no Morumbi com seus irmãos e amigos. Dessa vez, no apito final, enfiaram-lhe a camisa alvinegra; a preta com listras brancas, que depois ficou pra mim. Em vez de arrancar o manto, rasgá-lo, meu pai não impediu porque... estava feliz! O título do Corinthians deixou-o efusivo. Bebeu bem a noite inteira, na comemoração.

Mimi, criado num lar de alvinegros, teve os tios e primos todos palmeirenses, como ele, e os irmãos e sobrinhos todos corinthianos. Comigo foi a mesma coisa, mas ao inverso. Tenho meus tios e primos corinthianos e os irmãos e os vindouros sobrinhos palmeirenses.

Até meus cinco anos, o uniforme do Palmeiras era minha “roupa de festa”, meu pijama, meu uniforme da escolinha e minha “roupa de bater” no Anhangüera. Meu pai levava-nos, Angelo e eu, a todos os jogos do Palmeiras. Um dia – e isso eu devo ter apagado à força da memória, quem conta a história é o Joel – meu pai, já meio encharcado num domingo no Anhangüera, discutia sobre futebol com os amigos. No intuito de exibir sua influência, seu moral aos camaradas, chamou-nos, Angelo e eu, provavelmente com seu inconfundível e ensurdecedor assovio. Era assim que ele nos chamava quando estávamos jogando bola na rua, ou na quadra lá nos fundos do Anhangüera. Segundo o Joel e outras testemunhas, apresentamo-nos eu e meu gêmeo; tínhamos uns quatro anos, bem pivetes. Fez-se o silêncio, e meu pai, virando o copo de cerveja goela abaixo, ordenou:

- Angelo, diga a todos para qual time você torce.
- Palmeiras!

Orgulhoso, continuou:

- E você, Arthur?
- Corinthians!

Este desacato custou-me uma bolacha na orelha. Bolacha que decretaria, para sempre, meu corinthianismo. Foi a única vez que apanhei de meu pai. Logicamente, o velho se arrependeu instantaneamente e, dizem, até chorou compungido.

Depois tentou, sem sucesso, me subornar de todas as maneiras possíveis, me ameaçava de castigo e perguntava a Deus por que aquilo o acometera; passou a levar apenas meu irmão aos jogos do Palmeiras e eu, nada. Fui crescendo pegando raiva do Palmeiras e, coincidentemente, fui pegando também uma fase de terrível freguesia para os “porcos”. Na minha adolescência, o Coringão servia de saco de pancadas deles. Ô época braba!

O Velho Tirone e a D. Antonia moravam conosco, na casa do filho mais novo. E uma coisa eu não conseguia entender, nem perdoar: apesar de meu avô ser corinthiano, e muito, desde 1925, ele torcia pelo Palmeiras. Ele queria o bem do Palmeiras. Eu, perplexo: “mas como, vô?”, e ele, “Meus irmãos e meus sobrinhos, meu filho que é teu pai, meus dois netos que são teus irmãos, são palmeirenses...”. O Velho só torcia contra o Palmeiras quando o jogo era contra o Corinthians. De resto, parecia um palmeirense quando o verde jogava.

Não torço para o Palmeiras ganhar jogo algum, absolutamente. Mas cada vez menos tenho torcido para que eles se ferrem de verde e branco, culminando com o último domingo em que pensei na tristeza que meu pai e meus irmãos sentiram após essa derrota e na alegria que ficariam se o time deles levasse o caneco este ano.

De tudo isso, tenho uma certeza. A de que um predestinado filho meu será palmeirense, contrariando a mim como contrariei meu pai, e como ele contrapôs meu avô, como este afrontou sua família. Se eu tiver dez filhos, um haverá de ser palmeirense; e se eu tiver um único filho, então há de ser este. E não há nada que eu poderei fazer para impedir esta "força maior".

(Final)

15 Comentários:

Blogger Craudio disse...

Pô, esperei a segunda parte só para confirmar minhas suspeitas de onde isso ia parar...

Sabe que eu também sofro de praga semelhante, mas no meu caso ela se aplica a amigos. Pois bem, meu padrinho que me criou é porco. A grande maioria dos meus melhores amigos também.

E o melhor de tudo: os orlandinhos mordem os cotovelos por causa dessa relação paradoxal (se bem que tem muito corinthiano e palmeirense que ainda não compreendeu as coisas, mas porque são imbecis) e ficam querendo se crescer nessa rivalidade respeitosa com os verdes.

Essa tua história, Favela, serve como grande lição para quem não consegue entender o que é Corinthians x parmera.

Abraço, mano véio!

21 de novembro de 2008 às 10:56  
Blogger André Carvalho disse...

Favela, teu filho não sendo bambi, ta tudo certo.... Pra não ter problema, ele pode ser santista, aí agradaria a todos.

Agora, não sei como você consegue ter essa compaixão. Minha irmã é são-paulina doente e eu torço para que ela chore muito de tristeza e frustração com o time dela. Meu irmão corintiano, idem. Você tem um coração grande mesmo!

Abração

Piruca

21 de novembro de 2008 às 11:30  
Anonymous Anônimo disse...

Tenho essa praga comigo também!
E você, Arthur, soube transformar tal praga em um texto. Ótimo, por sinal.

A minha Vó (palestrina, não palmeirense) odiava os bambi por causa de 42, e sempre que sentavam numa mesa no domingo, ela e meu Vô (Corinthianíssimo de pai e mãe, sendo eu a 4ª Geração), se não viravam a cara um pro outro, ficavam nessas, como o teu Vô, de falar um bem do outro.

As pessoas estranhavam, mas vejo que isso não é só da minha família, e a prova é o teu relato.

Magnífico!

Na minha família também não tem bambi. Nenhum. Só meu tio, nissei, é santista. E a maioria é Corinthiana.

Quando dizemos que é o Maior Clássico do Mundo, não é da boca pra fora. Não é por efeito, não é bobagem.
É fato.

Gostaria apenas de contrapor o que foi dito nos outros comentários sobre uma suposta "freguesia" com a sociedade esportiva palmeiras.
Digo que ela não existe.
O Corinthians nunca mais poderá correr atrás, porém, da freguesia que já teve com a società palestra italia, que foi extinta.
(Pronto, comprei a briga)

Já contra o que sobrou dela, pós 42, ah amigos, temos uma vantagem abissal de muitos jogos de gordura... vou me certificar, mas são em torno de 9.

Aqui nesta cidade (e na baixada, apesar daqueles 10 anos) não estamos em desvantagem com ninguém, portanto.

Todos são fregueses do Coringão.

21 de novembro de 2008 às 12:59  
Anonymous Anônimo disse...

Eu farei uma revelação sobre o Arthur que ninguém sabe.
Várias noites eu acordei com ele chorando e gritando: "Nããããããããão".
Daí, eu muito assustado, acordava ele, e perguntava: "O que foi Arthur?". E ele então dizia:"Mais uma vez eu tive aquele sonho com o São Marcos".
E hoje em dia já não é tão frequente, mas em algumas madrugadas ele ainda acorda chorando por conta de São Marcos.

Bruno Tirone.

22 de novembro de 2008 às 13:45  
Anonymous Anônimo disse...

Cabra,

Uma coisa não podemos negar, eu não influenciarei meu sobrinho a ser palestrino, mas se ele quiser o titio aqui estará a disposição para encher-lhe de camisas, meiões, calções e levá-lo nos Jardins Suspensos do Parque Antartica..Mama mia...que alegria será.

Belíssimo texto, isso tudo é verdade, eu fiquei triste quando o Corinthians caiu, mas gostei para vocês entenderem o que é esse sentimento...e aí que uma verdadeira torcida mostra a verdadeira paixão...em 2003 fomos a muitos jogos na série B, muito mais do que fui este ano...todo jogo no Palestra não tinha menos de 23.000 torcedores.

Essa é a diferença entre o amar e o gostar, você só gosta quando está bom e ama em qualquer ocasião.

Eu t AMO PALESTRA !!!!

Angelo Tirone

24 de novembro de 2008 às 13:30  
Anonymous Anônimo disse...

PS: Obrigado pelos comentários sobre minha semelhança com meu pai....quando eu falo ninguém acredita,porque hoje o Arthur tá igual ao cara....mas até os 10 anos, não dá pra negar.
Angelo

24 de novembro de 2008 às 13:31  
Anonymous Anônimo disse...

Nasci no Bom Retiro. A minha família inteira, por parte de mãe, é palmeirense, e por parte de pai, é corinthiana. Quando digo inteira, é inteira mesmo.

Exceto pelo meu pai. Ele se tornou são-paulino. A ovelha "preta, vermelha e branca" da família. E ele me ensinou o que é torcer para o São Paulo. Agradeço a ele todos os santos dias por isso. Hoje, não tenho dúvidas de que sou mais fanático que ele e infinitamente mais feliz e vencedor que todos os meus primos e tios juntos.

Meu caro Arthur, obtusos são todos aqueles incapazes de entender a arrogância são-paulina, que diferentemente da arrogância corinthiana ou palmeirense na hora de falar sobre futebol, é pautada em fatos e não necessita dos principais rivais para sobreviver.

Abraços e, mais uma vez, parabéns pelo blog!

24 de novembro de 2008 às 15:48  
Blogger Arthur Tirone disse...

Rodrigo, não vou citar o "jogo das barricas" (em que vocês precisaram SIM de Corinthians e Palestra para sobreviver), nem os meios com que o são paulo construiu o patrimônio que tem para justificar porque o classifico como obtuso. Eu nem deveria estar acendendo essa vela, já que, sinceramente, desprezo solenemente o são paulo.
O que mais me pega, caro Vô, e só por isso respondo, não são nem essas coisas, essas sujeiras todas. É a tal "felicidade" que você citou. Uma felicidade aproveitadora, efêmera e condicionada à vitória. É assim que funciona o são paulo. É uma grife; está na moda. O são paulino rejeita qualquer tipo de sofrimento, por isso que cresce o número de simpatizantes. A torcida, torcida mesmo do são paulo, continua igual à de antes de 92: pequenininha. O futebol, na minha ultrapassada opinião, é muito mais.
E peço, desde já, que não continuemos dando corda pra relógio quebrado.

24 de novembro de 2008 às 19:13  
Anonymous Anônimo disse...

Ok, não continuemos dando corda para relógio quebrado.

Continue você com as suas tais concepções de felicidade, futebol, torcida etc. E eu continuarei com as minhas, pautadas em fatos, é sempre bom reafirmar.

Eu e a minha torcida permaneceremos agarrados a nossa "moda" de ganharmos títulos e continuarmos ambiciosos, enquanto você e a sua torcida permanecerão agarrados a vossa "tradição" de serem felizes sofredores e eternos rivais do "grande e exemplar" Palmeiras.

Afinal, é o que sobrou para cada uma dessas torcidas, não é mesmo?

25 de novembro de 2008 às 19:47  
Blogger Arthur Tirone disse...

, eu não gosto, de verdade, de discutir isso. Porque não vai a lugar algum. Vamos parando por aqui, cada um com as suas concepções de torcida, de títulos, de ambição, de tradição... O que sobrou, o que nos resta? Ainda que seja nada, meu velho, se já não nos foi tirado, há de ser.

Abração!

26 de novembro de 2008 às 09:24  
Anonymous Anônimo disse...

E dá-lhe Peixe!

26 de novembro de 2008 às 14:52  
Anonymous Anônimo disse...

Bambis,

Por favor, comentem no blog: bambis & veadinhos. Aqui não é lugar para vocês..FORA !

Lotem o Morumbi domingo e mostrem a força da torcida de vocês..hehehehe. Péssimo !!!!!!

26 de novembro de 2008 às 17:47  
Anonymous Anônimo disse...

É o seguinte: o SPFC começou e sobreviveu mamando nas bolas do Estado. Para EXISTIR precisou de muita força ALHEIA e EXTERNA.

O Corinthians precisou apenas do POVO para EXISTIR.

O futebol de hoje é medíocre, o que faz o SPFC levar vantagem. Afinal, foram mais de setenta anos usurpando para obter patrimônio - se não fossem alguma coisa agora, era melhor a patotinha deserdada pelo Paulistano esquecer.

Porém o SPFC só é alguma coisa porque fez muito marketing com o que ganhou. Ouve-se saopaulino falar que na "era Kaká" o SPFC "sobreviveu com paulistinhas".
Ou seja, assim como abandona o time o campeonato inteiro para vê-lo apenas "na boa", o Orlandinho típico só se declara se for na vitória.

O Corinthians, porém, é um ideal. Por isso que com tanta INTERFERÊNCIA externa, ainda está VIVO. Mesmo quando não ganhava, A TORCIDA AUMENTAVA.
E dependemos, sim, do Maior Clássico do Mundo. Nenhum campeonato vale coisa alguma se não tiver o Maior Clássico do Mundo.

É exatamente por isso que nunca, nem em cem, duzentos anos (se existir até lá, se não se fundir ou falir, por exemplo), o SPFC poderá usar a palavra "TRADIÇÃO".
É exatamente por isso que só poderá usar o termo "modinha" para atribuir a si próprio.

E VIVA O CORINTHIANS!!!

26 de novembro de 2008 às 20:20  
Blogger Unknown disse...

Meu querido KID!
li seu texo e achei legal, mas custei a acreditar o fato desse seu lado palestrino, afinal até hj vc usa um shortinho do timão que deve ser de 1910, como então esse lado se vc sempre teve esse shorts?!

hehehehehe

abrasss!

26 de novembro de 2008 às 23:53  
Anonymous Anônimo disse...

Artú,

O importante é que nenhum de nós tivemos o desprazer de ter um "bambi" na família.

abrax

Adri Tironi

3 de dezembro de 2008 às 15:23  

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